sábado, 1 de maio de 2010

Fake


O valor da internet na nossa rotina, hoje, é mais do que concreto. Na sociedade em que estamos inseridas, criou-se uma dependência à esta tecnologia de tal modo que esta apresenta infinitas opções e funções e nos permite o desempenho de diversas atividades – desde pagar contas, fazer pesquisas até compartilhar pensamentos, conversar com pessoas em qualquer parte do globo, entre outras. Um dos grupos mais adeptos à este fenômeno somos nós, os adolescentes, que fazemos da rede uma espécie de “válvula de escape” para a vida “tumultuada e cansativa” que acreditamos ter. A prática se tornou tão comum em nossas vidas que acabamos criando uma nova utilidade para a mesma. O tão famoso “mundo fake” se torna cada vez mais conhecido entre os diversos grupos entre os quais nos dividimos, mas, ainda assim, não é muito bem entendido por todos. Popularmente conhecido apenas como “fake”, este é um “movimento virtual” do qual fazem partes meninos e meninas entre as idades de 12 e 16 anos, em média, no qual se criam perfis falsos – nomes, fotos e informações falsas – em um site de relacionamento (Orkut) com o objetivo de, a partir daí, construir-se uma “nova vida”.

Quando estamos cansados de nossas vidas, embora saibamos que não nos resta outra possibilidade do que continuar vivendo-a, acabamos criando a ilusão de viver outra completamente diferente simplesmente por uma questão de alívio, liberdade e, possivelmente, diversão. Não se pode criar uma generalidade quanto a este assunto, porém, as evidências de que este é um dos fatores que mais impulsionam o sucesso deste “movimento virtual” se tornam cada vez mais concretas.

Como este mundo funciona? Embora acreditemos que tudo é muito simples, provavelmente, do ponto de vista de alguém que não faz parte do mesmo, como seus pais, por exemplo, o tal “fake” se torna mais complexo do que parece ser. Bom, sucintamente falando, tudo começa com a criação de uma conta alternativa à sua na vida real, no Orkut, cenário escolhido para que essa relação comece. Escolhe-se um nome que será sua identidade – na maioria das vezes, vocábulos em inglês ou nomes de pessoas famosas – e uma foto de alguém que, obviamente, não seja você. Muitas pessoas colocam fotos de seus ídolos e outras fotos de pessoas “desconhecidas” que são disponibilizadas nas chamadas “doações de fotos”. Estas apresentam fotos de diversos temas – amizade, amor, meninas, meninos, etc – e tornam mais fácil a escolha de sua foto de “perfil” no seu fake. No fim deste processo, que envolve a escolha do que será escrito no seu “quem sou eu”, inicia-se a ação que realmente apresenta o objetivo de tudo isso. Começa-se a adicionar outros fakes e, a partir daí, relações afetivas e “amigos” surgem. Também é muito importante ficar ligado no vocabulário específico destes “fakes”: off significa quem a pessoa realmente é, seu verdadeiro nome, idade, local onde mora, ou seja, sua vida real; on, consequentemente, é o contrário: significa o que a pessoa é ali, seu nome falso, sua vida virtual. Além disso também existem as famosas “ligas” que obrigam os seus membros a colocarem determinados termos em seus nomes. Exemplo: se existe uma liga chamada “the bests”, seus adeptos devem aderir as inicias TB. Algumas ligas acabam alcançando uma popularidade, e, então, um reconhecimento maior, o que as tornam mais disputadas e seus membros, mais importantes.

Isso nos remete a um outro princípio sob o qual o fake é regido: se o mundo virtual fosse representado por uma sociedade, os mais poderosos políticamente seriam os que possuem mais amigos, ligas mais disputadas e maior “popularidade”. Acaba-se criando, então, um ambiente um tanto quanto fútil em sua essência por valorizar-se mais o que se faz para chamar atenção do que o que se faz por vontade própria. Por sorte, alguns conseguem escapar disso e, no próprio local, criar relações mais concretas. Amizades são criadas e, entre os internautas, até “namoros fakes” são originados, nos quais os sentimentos e as palavras são o que importam uma vez que as ações são impossibilitadas pela distância.

precisa ser, é você mesmo. Um grande exemplo disso é o fato de que, no meio desse mundinho, existe um ditado já bem popular entre os adeptos da ‘brincadeira’ que diz: “O que acontece no fake, fica no fake”. Você não precisa de se preocupar se o que você está fazendo é certo ou errado, quais conseqüências aquela atitude irá te trazer, o que as pessoas vão falar de você, até porque, na maioria das vezes as pessoas agem exatamente com a intenção de ficarem faladas, assim ficarão populares, assim terão mais ‘amigos’.

Bom, até ai, tudo bem, o problema começa mesmo quando as coisas vão longe demais, e, o que era apenas uma brincadeira, uma vidinha virtual, começa desenvolver em cada um, um sentimento diferente, seja ele de amor ou amizade. Se a pessoa se deixa levar, as coisas vão ficando cada vez mais sérias podendo chegar até a um nível ainda pior: quando a pessoa não sabe separar a vida real, da virtual, e, de repente, já está totalmente viciada sem se dar conta disso. Ela vai deixando de sair com os amigos, vai deixando de estudar, de se preocupar com uma vida social de verdade, e começa a viver por conta do seu ‘personagem’.

Parte disso aconteceu com a mineira Mariana Silva* (*nome fictício para preservar a integridade da entrevistada), 15 anos, Belo Horizonte, que viu seu ano escolar do nono ano do ensino fundamental fracassar pelo, entre outros fatores, abuso do tempo no fake.

“Estava em recuperação final no colégio, três matérias muito dificeis, e uma vida super corrida. Tentava consiliar o tempo de aula e provas com o computador, mas não dava certo, porque a internet era uma necessidade maior. Em consequencia desse vício, não consegui me sair bem em uma prova de matemática, minha maior dificuldade, e acabei recebendo a reprovação. “

Além disso, muitas vezes alguns adolescentes o utilizam para fugir da sua vida real, quando se tem problemas em casa, relacionamentos, escola, etc. No fake, encontram pessoas na mesma situação, alguém pra compartilhar suas vivências, e, temporariamente esquecer da sua vida de verdade, o que gera uma sensação de “ser compreendido”. Tudo aquilo que se sente de verdade é automaticamente transferido pro fake, começando, então, a mistura de on com off. É neste exato momento em que tudo começa a ficar pior, pois, relembrando, começamos em uma ‘brincadeira’, não é? Pois é.. isso permite que vocês vejam como as coisas não são simples assim.

O “ fake” manipula, vicia, gera um bem-estar tão grande que muitas vezes escondem suas consequências negativas. Nele, as amizades começam muito rápido, pelo fato de você não ter que conhecer a pessoa pra adicionar o perfil, e com dois ou três recados, já poder trocar MSN, permitindo que as coisas fluam de modo fácil demais - na maioria das vezes não é necessário nem uma semana para sair um ‘eu te amo’ entre as duas pessoas, o que gera uma desvalorização desta tão forte expressão.

Deve-se lembrar, porém, que nem sempre ele é dito da boca pra fora: existem alguns momentos nos quais o relacionamento de namoro e amizade começam a ficar sérios, e, a partir daí, as pessoas envolvidas sentem uma necessidade enorme de se encontrar, de se abraçar e poder falar olhando uma para a outra, tudo aquilo que se limitava a um MSN e uma página de relacionamentos. Acontece que, lá, “conhece-se” pessoas do Brasil inteiro, e, a dificuldade de encontrar se mostra bem maior, as vezes quase impossível. Por exemplo, uma pessoa que mora em Minas Gerais, se torna melhor amiga(o) de alguém que mora em Recife e as chances de um adolescente viajar sozinho, se virar sozinho, pra ver essa tal pessoa, são pequenas, já que na maioria das vezes é sem a conscientização dos pais. Mas, para quem tem a sorte de morar na mesma cidade ou estado da pessoa importante, as coisas são bem mais fáceis. Foi exatamente isso que aconteceu com a paulista Nathália Nobre que nos contou um pouquinho mais dessa sua “experiência”.

“No meu fake, conheci muita gente, de todos os lugares do Brasil e até de outros países. Criar amizades é fácil lá, mas mantê-las é o mais difícil, pela distância. Quando você começa a manter a amizade, dá vontade de conhecer, de abraçar, resumindo..de se encontrar. Eu moro no interior de SP mas conheci várias pessoas nas inúmeras vezes que fui pra lá. Em especial, conheci o Luccas, uma pessoa que eu sempre tive vontade de ver, pois sempre me dei muito bem no fake, considerava um dos meus melhores amigos, conversava todos os dias, e essa idéia de morarmos "perto" nos deixava mais próximos ainda. Um dia, eu fui pra São Paulo com os meus pais (eles sabem do fake) e eu e vários amigos, incluindo o Luccas tinhamos combinado de ir no shopping. Primeiro que, antes de ver a pessoa, o coração fica a mil né, sempre quis encontrar tanta gente e tive a sorte de poder encontrar com ele, quando eu vi ele..a primeira coisa que fiz foi dar um abraço bem forte, parecia que tinha saudade, mas tipo..como eu teria saudade se nunca tinha visto aquela pessoa? É, estranho. Então aquele dia a gente conversou muito, eu e os meus outros amigos do fake. Mas ele em especial, pois a gente sempre tentava se encontrar, nunca conseguia, e quando nos encontramos, nos demos muito bem. E quando eu vou pra lá, a gente sempre tenta se encontrar. Porque ele é um amigo meu que significou muito pra mim e significa até hoje. Mas claro, há muita gente no fake, que mesmo morando longe, não deixa de ser menos importante do que as pessoas que conheço pessoalmente, as vezes elas até parecem me conhecer melhor do que as que vivem comigo, no dia-a-dia. É difícil essa tal distância, mas uma amizade verdadeira supera qualquer obstáculo e quem tem fake sabe muito bem disso.”

É bem verdade, também, que assim como amizades a distância podem surgir, o amor também pode acontecer. Embora este seja um sentimento muito banalizado no fake, existem algumas exceções nas quais o sentimento começa a ir “além” e desenvolve-se um laço quase igual ao o da vida real, tendo como única diferença a falta do calor humano, abraços, beijos. Acreditamos que a situação seja pior ainda pois, nesse caso, algumas pessoas deixam de se relacionar na vida real com outras para esperarem pelo dia em que poderão encontrar a pessoa amada. E, apesar de parecer algo impensável e impossível, a história de L.M. nos prova o contrário.

“Tudo começou no ano de 2007, ou melhor dizendo, no final de 2006. Eu o conheci através do fake e após alguns poucos meses de amizade, me vi perdidamente apaixonada por ele, como jamais nem havia amado alguém que estava perto de mim. Sabe o que é amar com toda a força que você tem? Eu o fiz por essa pessoa. Nos apaixonamos cada dia mais, era o tipo de relacionamento perfeito, e não digo isso só por ele ser tudo o que mais amei na vida, mas sim porque o que tínhamos era mesmo invejável. Quando completamos 6 meses de namoro no fake, e também em "off'', ele veio para a minha cidade me ver. Bom, passamos uma semana inteira juntos, e foi perfeito, tudo só serviu pra eu me apaixonar mais. E não há nada do que me arrependa até aí.. Mas mais um tempo se passou, e então ele resolveu que simplesmente não me amava mais. Dormiu me amando, e acordou se esquecendo de quem eu era. Bom, terminamos quando íamos completar um ano de namoro. E aquela foi a única vez na vida em que eu entrei em depressão.. Foi um ano inteiro sofrendo, chorando, querendo morrer, por não o ter mais.”

A conclusão mais óbvia é a de que não existe conclusão. Seria o fake positivo? Negativo? Benéfico? Prejudicial? Isso vocês podem nos responder. Contem suas histórias, compartilhem conosco o que aprenderam com isso. Nossa única certeza é a de que, por bem ou por mal, uma vez no fake, experiências diferentes serão vividas e, inquestionavelmente, torna-se uma pessoa diferente. Acabamos, então, ao tentar “fugir” de nossas vidas, criando um amadurecimento maior para lidar com a mesma.